O financiamento colaborativo, ou crowdfunding, é muito útil para atingir um grande público e angariar dinheiro para diversas causas. Apenas em 2022, ocorreram mais de 6 milhões de campanhas deste tipo em todo o mundo. Segundo o Grupo de Ação Financeira (Gafi), no entanto, o crowdfunding vem sendo explorado para atividades ilegais, como o uso de redes sociais para financiar causas terroristas.
O alerta está no Relatório Crowdfunding para o Financiamento do Terrorismo, publicado pelo Gafi nesta terça-feira (31). Esse foi apenas um dos temas abordados durante a 4ª Plenária do Gafi sob a presidência de T. Raja Kumar, de Cingapura. O encontro terminou em 27 de outubro de 2023. Delegados de mais de 200 jurisdições da Rede Global de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP) e observadores de organizações internacionais participaram dessas discussões na sede do Gafi, em Paris.
Durante as reuniões houve um reconhecimento de que a luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo e da proliferação exige uma resposta global. Por esse motivo, é crucial que todos os países da Rede Global de PLD/FTP tomem medidas coletivas para lidar com esses riscos.
No âmbito do grupo operativo do Gafi, o Grupo de Trabalho de Risco, Tendências e Métodos (RTMG por sua sigla em inglês), que conta com a copresidência brasileira, destacam-se os projetos sobre o uso indevido de cidadania e residência por esquemas de investimento, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo relacionados a fraudes cibernéticas e sobre o uso de crowdfunding para financiamento do terrorismo.
Veja a seguir um resumo das propostas apresentadas na reunião do Gafi:
Fluxos financeiros ilícitos provenientes de fraudes cibernéticas
Nos termos apresentados pelo Gafi, medidas eficazes para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo dependem de uma compreensão profunda do cenário em evolução da criminalidade financeira. A fraude cibernética é um importante crime organizado transnacional que tem crescido exponencialmente nos últimos anos, tanto em volume de fraudes denunciadas como na sua propagação global. Tais crimes podem ter um impacto devastador sobre indivíduos, organizações e economias em todo o mundo, causando perdas financeiras significativas e minando a confiança nos sistemas digitais. A natureza transnacional desse crime, com os rendimentos da fraude cibernética muitas vezes rapidamente transferidos para diferentes jurisdições, torna isso uma preocupação global.
À medida que a inovação digital continua a avançar, o mesmo acontecerá com a sofisticação e a escala da fraude cibernética, se não for controlada. O Gafi, em parceria com o Grupo Egmont e a Interpol, analisou os métodos utilizados para a fraude cibernética, as suas ligações a outros crimes e a forma como os criminosos podem explorar vulnerabilidades nas novas tecnologias. O relatório destaca exemplos de respostas e estratégias operacionais nacionais que provaram ser bem-sucedidas no combate à fraude cibernética. Isto inclui a necessidade de quebrar silos e acelerar e melhorar a colaboração entre vários setores, tanto a nível nacional como internacional. O relatório também identifica indicadores de risco e requisitos e controles antifraude úteis, que podem ajudar as entidades dos setores público e privado a detectar e prevenir a fraude cibernética e a lavagem de dinheiro relacionada.
É essencial que os países trabalhem em conjunto e tomem medidas para travar a crescente ameaça da fraude cibernética. O relatório identifica três áreas prioritárias nas quais as jurisdições devem agir para combater este crime e a lavagem relacionada de forma mais eficaz: reforçar a coordenação nacional entre os setores público e privado; apoiar a colaboração internacional multilateral; e reforçar a detecção e a prevenção através da promoção da sensibilização e da vigilância e facilitando a denúncia de tais crimes.
O relatório será publicado em novembro.
Uso indevido de cidadania e residência por programas de investimento
Conforme os termos do documento aprovado pela Plenária do Gafi, os programas de cidadania e residência por investimento (CBI/RBI) são programas administrados pelo governo que concedem cidadania ou residência a investidores estrangeiros, acelerando ou contornando os processos normais de migração. Esses programas podem ajudar a estimular o crescimento econômico através do investimento direto estrangeiro, mas também são atraentes para criminosos e funcionários corruptos que procuram fugir à justiça e lavar os rendimentos do crime no valor de bilhões de dólares.
Em resposta ao apelo dos ministros do Gafi em abril de 2022 para um maior foco na corrupção, o Gafi concluiu um projeto conjunto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que explora os riscos de lavagem de dinheiro e crimes financeiros associados ao programas CBI/RBI e seu impacto na integridade pública, impostos e migração. Os programas CBI ou RBI adequadamente geridos podem beneficiar tanto os países anfitriões como os indivíduos, mas, na prática, tais programas trazem riscos significativos de lavagem de dinheiro, fraude e outras formas de utilização indevida. O relatório destaca como os programas CBI podem permitir aos criminosos uma maior mobilidade global e ajudá-los a esconder a sua identidade e atividades criminosas atrás de empresas de fachada noutras jurisdições. Destaca as vulnerabilidades destes programas complexos e internacionais de migração de investimento, incluindo a utilização frequente de intermediários, o envolvimento de múltiplas agências governamentais, o abuso por parte de facilitadores profissionais e a falta de governança adequada dos programas CBI/RBI.
O relatório propõe medidas e cita exemplos de boas práticas que podem ajudar os decisores políticos e os responsáveis pela gestão dos programas de migração de investimentos a enfrentar estes riscos. Estas incluem uma análise e compreensão aprofundadas de como os criminosos podem explorar os programas CBI ou RBI e como os governos podem incorporar medidas de mitigação de riscos, tais como a devida diligência em vários níveis, na concepção dos seus programas de migração de investimentos. O relatório sublinha que os riscos elevados de lavagem de capitais e crime financeiro nestes programas de migração de investimento dizem respeito não apenas ao requerente, mas também aos facilitadores profissionais e intermediários envolvidos no processo. É, portanto, essencial garantir clareza em torno das respetivas funções e responsabilidades das várias partes envolvidas nos programas RBI/CBI para poder detectar atividades fraudulentas.
Financiamento coletivo para financiamento do terrorismo
Outro documento de grande relevância finalizado nessa Plenária, foi o Financiamento coletivo para financiamento do terrorismo (crowdfunding em inglês).
Nos termos do próprio documento aprovado, o crowdfunding é uma solução inovadora de arrecadação de fundos para financiar ideias, projetos ou empreendimentos comerciais. Embora a grande maioria da atividade de crowdfunding seja legítima, a investigação do Gafi mostra que o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL), a Al-Qaeda e outros indivíduos e grupos terroristas com motivação étnica ou racial a exploraram para financiar as suas atividades terroristas. Para fazer face a este risco emergente de financiamento do terrorismo, o Gafi finalizou um relatório que analisa a forma como os terroristas exploraram plataformas de angariação de fundos e atividades de crowdfunding nas redes sociais para procurar financiamento para a sua causa terrorista junto a um público global. O documento identifica e explora as quatro principais formas pelas quais os terroristas utilizam indevidamente as plataformas de crowdfunding. Dada a ligação entre o financiamento colaborativo e outros setores financeiros e não financeiros, os países devem implementar plenamente as normas do Gafi relevantes para ativos virtuais, organizações sem fins lucrativos e serviços de transferência de dinheiro ou valores, e evitar tratar o financiamento colaborativo como um setor isolado.
O relatório, que se baseia em experiências da Rede Global do Gafi, de peritos da indústria, do meio acadêmico e da sociedade civil, examina os desafios enfrentados na detecção e prevenção do financiamento do terrorismo através da ecosfera de crowdfunding, incluindo a complexidade das operações de crowdfunding, a utilização de técnicas de anonimização e a falta de experiência em treinamento e financiamento do terrorismo nesse segmento para detectar atividades suspeitas. Também destaca boas práticas, começando pela inclusão do financiamento colaborativo nas avaliações nacionais dos riscos de financiamento do terrorismo, pela divulgação do setor do financiamento colaborativo e por fortes mecanismos de compartilhamento de informações nacionais e internacionais. Uma lista de indicadores de risco visa a ajudar as entidades dos setores público e privado, e o público em geral, a identificar potenciais tentativas de atividades de financiamento do terrorismo através do financiamento colaborativo.
O relatório foi publicado em 31 de outubro.
Fonte: Coaf